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REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA NA ADVOCACIA: BENEFÍCIOS E DESAFIOS

Uma constante real nos dias atuais é a impossibilidade de ser negada a maciça difusão da tecnologia em todos os aspectos da sociedade. O acesso à internet e às ferramentas de comunicação nas primeiras décadas do século XXI ampliaram-se exponencialmente, modificando a vida de todos os indivíduos e passando a ser imprescindíveis elementos que norteiam as práticas profissionais, o comércio e suas transações econômicas, a saúde, o suprimento de necessidades vitais e até mesmo os relacionamentos pessoais.

Nesse momento vivenciado pela sociedade, marcado pelo progresso tecnológico, não poderia ser outro o destino da advocacia, a não ser a inserção de novas práticas e instrumentos de atualização, a fim de servir adequadamente ao meio social, atingindo com eficiência o seu principal fim. Observa-se, então, que além da notória transição da cultura do litígio para a progressiva adoção de métodos consensuais, vive-se uma histórica e patente evolução de profissões jurídicas, possibilitada pela utilização das plataformas digitais e pelos novos costumes da sociedade do compartilhamento (COSTA, 2014).

Sobre esse assunto, o advogado e presidente da Associação Brasileira de Lawtechs Legaltechs, Bruno Feigelson, faz o seguinte apontamento:

Assim, observamos que a disrupção no campo do direito ou, em outras palavras, o direito disruptivo, possui uma dupla acepção. Num primeiro momento, ela se refere aos reflexos jurídicos de um período de mudanças muito intensas nas sociedades. De modo que se a revolução industrial foi um marco para o fim do feudalismo e início da era industrial, a criação da internet é um marco do fim da era industrial e início da era da informação. Tais transformações nos impactam em termos econômicos, sociais e até biopsicológicos e, por consequência, ensejam reflexões profundas em todas as áreas do direito.

Dentro desse contexto inovador, torna-se premente a necessidade dos advogados de repensar toda a sua atuação, seja na resolução de conflitos, seja no gerenciamento de negócios, incluindo em seu desempenho a habilidade de fazer uso de recursos tecnológicos, para, segundo Pedro Belchior Costa, navegar em meio ao mar de informações disponíveis e identificar aquelas de relevância e qualidade, estabelecendo-se com destaque para além das fronteiras geográficas regionais.

A nova realidade na qual está inserida a advocacia – representada pela utilização de serviços de lawtechs e pela busca da gestão eficaz dos conflitos – traz consigo notórios benefícios, em relação à desburocratização e a promoção da eficiência nessa atividade. Contudo, para a maioria dos advogados brasileiros, esse universo é ainda ignorado. Tal desconhecimento deve-se, sobretudo, a ausência de uma formação jurídica que permita uma íntima ligação dos acadêmicos com a tecnologia e com as principais questões que desta derivam. Não somente no primeiro estágio do ensino superior, mas também nos cursos de pós-graduação, são raras as universidades que têm em seu currículo disciplinas que preparam os futuros advogados para lidarem bem com inovação e tecnologia. (COSTA, 2014).

Além do despreparo de grande parte dos profissionais, é válido salientar também que a ideia equivocada de substituição do trabalho humano pela tecnologia nas profissões jurídicas é responsável por certa preterição, por muitos advogados, de ferramentas inovadoras não usuais existentes atualmente à sua disposição.

Nesse contexto, a insegurança pode ser considerada como um entrave para o crescimento do mercado das lawtechs no Brasil, uma vez que a incerta aceitação dos serviços ofertados não permite estimar o retorno dos investimentos, elevando seu risco e, dessa maneira, desestimulando-os. (GUERRA, 2017). Entretanto, é válido destacar que a demanda por novas tecnologias que permitem o acesso à justiça – em todos os sentidos – é tão grande, que mesmo em um cenário desfavorável, tem crescido consideravelmente o número de startups que fornecem serviços disruptivos para o setor jurídico.

Nesse liame, é importante esclarecer que as novas tecnologias não têm o condão de eliminar por completo a atuação pessoal do advogado. É certo que as facilidades advindas dos novos métodos mudam por completo as atribuições desempenhadas na profissão, contudo não se vislumbra um cenário em que estas são eliminadas por completo, servindo os recentes instrumentos mais como auxiliares que como substitutos propriamente. (ATHENIENSE; RESENDE, 2018).

Seguindo nessa linha de pensamento, temos que os produtos das lawtechs – softwares, computadores e plataformas da internet – atuam de forma suplementar ao ofício do advogado, em trabalhos cuja execução seja mais importante a agilidade e a automação do que o raciocínio intelectual. Dessa maneira, o profissional jurídico ganha eficiência em seu exercício, focando unicamente nas competências intrínsecas à advocacia: a análise pessoal apurada, tomada de decisões assertivas em casos complexos, dentre outras atribuições. (ATHENIENSE; RESENDE, 2018).

Na perspectiva sob enfoque, em que pese não tornar-se a tecnologia, em regra, substituta do trabalho humano, convém salientar que esse temor pode ter fundamento, se considerada a quantidade de advogados no Brasil e a realidade de que muitos destes realizam atividades repetitivas com pouca necessidade de especialização ou de elevado esforço intelectual. Dessa forma, no novo contexto, a tendência é que permaneçam em atuação os somente os advogados que não podem ser substituídos pela tecnologia, sendo diferente a realidade para os demais. (CARNEIRO, 2017). O ofício do advogado, dessa maneira, não parece caminhar para o fim, mas sim para a necessidade de atualização e elevação da qualidade das atividades desempenhadas, adequando-se à nova realidade latente.

Embora os problemas abordados sejam verdadeiros paradigmas a serem superados para o adequado desenvolvimento da tecnologia no meio jurídico, é salutar evidenciar também os notórios benefícios que essa recente revolução tem proporcionado aos advogados.

Sob essa ótica, Pedro Belchior Costa, ao tratar do problema da falta de especialização para lidar com tecnologia, salienta a possibilidade do sucesso de jovens advogados que focarem nesse novo segmento, uma vez que o mercado tradicional já encontra-se consolidado e a concorrência nas áreas em que se utilizam os métodos inovadores ainda é baixa.

Outra vantagem do progresso tecnológico no âmbito jurídico diz respeito a maior eficiência na solução de controvérsias e no apaziguamento social. A propagação da cultura do litígio por seguidos anos no Brasil tem sido responsável pela sobrecarga do poder judiciário, resultando na incapacidade do sistema de solver, a contento, todas as demandas a este apresentadas. Nessa conjuntura, as plataformas online de resolução de conflitos podem se revelar excelentes meios alternativos, desobstruindo o acesso, de fato, à justiça.

Em pesquisa realizada por Isabela Magalhães Rosas e Carlos Eduardo Mourão, chegou-se à conclusão de que as principais ferramentas virtuais de solução de conflitos brasileiras foram responsáveis pela resolução de aproximadamente treze mil casos no ano de 2016, envolvendo direitos do consumidor, imobiliário, fundiário, empresarial, bancário e de família. Ademais, a mesma análise constatou projeções de aumento da utilização dos novos métodos em 2017, variando o crescimento de dez a vinte vezes, o que expande a realidade do ano anterior para aproximadamente 160 mil casos.

Esse fenômeno, apesar de recente e pouco averiguado com profundidade, certamente acarretará a diminuição dos índices de processos judiciais, sendo responsável pelo aumento da satisfação tanto dos indivíduos que utilizam as ferramentas online como daqueles que se valem da jurisdição, uma vez que esta via ganhará novo “fôlego” para desempenhar adequadamente o seu mister.

É interessante ressaltar também que o tempo e o custo da resolução de conflitos pelo meio virtual, nas principais plataformas disponíveis atualmente no Brasil, são significativamente menores quando comparados ao judiciário. Nos métodos disponibilizados pela lawtechJustto, transações ou conciliações chegam a ser concluídas em um período de dez a vinte dias, os casos que envolvem arbitragem são resolvidos no máximo em cem dias e as tratativas de mediação variam, conforme a natureza do conflito, de uma semana a um ano para se chegar a uma posição final. (ROSAS; MOURÃO, 2018).

Com relação aos custos, na mesma plataforma, as negociações possuem valores que vão de cinquenta a cinco mil reais, a arbitragem possui quantia fixa de dois mil reais por litígio e nos casos que envolvem a mediação, o custo é de trezentos reais por consulta ao mediador. (ROSAS; MOURÃO, 2018).

Essa realidade, quando comparada a judicialização dos conflitos, é preponderantemente mais ágil e menos dispendiosa para os indivíduos, sendo alguns métodos mais adequados a pessoas físicas e outros às jurídicas, que passarão a otimizar seu tempo e direcionar seus esforços para suas atividades usuais, e não para uma demanda litigiosa. No novo cenário, ressalta-se ainda a desnecessidade de pagamento de custas judiciais e do custeio de advogados por longos períodos de tempo, passando tais profissionais a serem remunerados pela agilidade, e não pela prolongação absurda dos conflitos nos tribunais.

Do exposto extrai-se que, em que pese ser bastante vantajosa a utilização da tecnologia no meio advocatício, a nova realidade traz consigo inúmeros desafios. Acerca disso, entretanto, é válido rememorar que de acordo com a história da humanidade, qualquer acontecimento inovador, que representa a disruptura e a quebra de paradigmas anteriormente consolidados, nunca é acolhido instantaneamente, necessitando de um longo período de adaptação até que possa alcançar os efeitos pretendidos de maneira plena. É nessa ótica, portanto, que deve ser encarado o novo modelo de advocacia privada que desponta no Brasil: um fenômeno recente que já arriscou seus primeiros passos, alcançando, com isso, embora tímidos, alguns resultados concretos.

Os desafios a serem enfrentados para a consecução desse novo modo de administrar a justiça são grandes, porém, como toda evolução, são necessários para ajustar o recente cenário às reais necessidades da população brasileira. Dessa maneira, considerando a peculiaridade da situação ora sob enfoque, infere-se que todas as perscrutações acerca do tema nunca podem estar encerradas em si mesmas: são na verdade o prenúncio do novo. De um futuro ainda em construção.

(Excerto adaptado do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “O novo modelo de advocacia privada: análise do uso de técnicas extrajudiciais e de novas tecnologias na resolução de conflitos”)

Jones Oliveira
Advogado

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