A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), buscando resolver a divergência existente no Tribunal quanto à penhora de salário, reforçou a tese jurídica que, certamente, repercutirá bastante nas execuções de processos atualmente em trâmite.
A definição se deu no recurso EREsp 187.422, julgado em 19/04/2023, que relativizou a impenhorabilidade do salário disposta em Lei, no artigo 833, IV, do Código de Processo Civil, permitindo que o salário seja penhorado, excepcionalmente, para satisfação do crédito do credor, mesmo que fora das exceções já previstas em lei.
O julgado é importante, pois renova o entendimento já proferido no ano de 2018 pela própria Corte Especial do STJ, no EREsp 1582475, levando a sua aplicação para os demais Tribunais brasileiros de forma mais intensa.
O que diz a Lei?
O Código de Processo Civil dispõe que são impenhoráveis “os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal”.
A impenhorabilidade fixada em lei tem a função de impedir que esses valores recebidos para a subsistência do indivíduo não venham a ser utilizados para o pagamento de dívidas civis, salvo em duas situações:
- Pagamento de pensão alimentícia;
- Importâncias que excedam 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais para débitos quaisquer.
O legislador, então, definiu que, caso determinada pessoa recebesse salário acima de cinquenta salários-mínimos, o que hoje representa R$ 66 mil, apenas o excedente é que poderia ser penhorado.
Da mesma forma, para o Legislador, caso a dívida seja de pensão alimentícia, a penhora sobre salários e demais vencimentos será possível, observado o limite máximo de cinquenta por cento de seus ganhos líquidos, o que deverá ser visto pelo Poder Judiciário caso a caso, sempre observado o sustento do devedor.
Divergência histórica sobre a impenhorabilidade.
A 3ª e 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divergiam quando o tema era penhora de salário, o que levou à Corte Especial pacificar o tema. Para a 3ª Turma do STJ, a penhora de salário era possível, mesmo quando esse fosse inferior a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, observando-se, sempre, o “mínimo existencial” do indivíduo de modo que o seu sustente não restasse prejudicado. Já para a 4ª Turma, a regra geral era a impenhorabilidade, ressalvadas as exceções legais, ou eventuais circunstâncias especiais do caso concreto.
Apesar dessa divergência existente entre as duas Turmas, a própria Corte Especial já havia mitigado a regra da impenhorabilidade, em 2018, trazendo novamente o tema às notícias desse Tribunal Superior, o que reforça o entendimento que certamente passará a ser adotado com mais frequência pelos demais Tribunais brasileiros.
Afinal, o que motivou o entendimento pela relativização da impenhorabilidade?
O trabalho de interpretação da norma jurídica realizado pelos Tribunais pode ser uma tarefa árdua, pois é complexa a doutrina da hermenêutica jurídica, o que sempre levantará questionamentos e divergências quando do resultado final.
Apesar de o Legislador ter trazido, de forma expressa, as normas relativas à impenhorabilidade (artigo 833 do Código de Processo Civil), o STJ, diante de um determinado caso concreto, flexibilizou essas regras.
Especificamente sobre a impenhorabilidade de salário, conforme já mencionado acima, o Legislador fixou duas exceções, ou seja, nos casos em que se tratar de débitos relativos à prestação alimentícia e, para pagamento de dívida não alimentar, as quantias (salários) que superem a 50 salários-mínimos vigentes. O STJ, ao analisar um caso concreto, entendeu que o limite fixado em lei (50 salários-mínimos vigentes)
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“se mostra muito destoante da realidade brasileira tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor de sua família”
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Significa dizer que, mesmo o salário sendo menor que R$ 66 mil (ou 50 salários-mínimos vigentes neste ano de 2023), parte desse poderá ser penhorado para o pagamento de dívida não alimentar.
Essa penhora, que poderá ser determinada pelo juízo da execução, no entanto, deve ser medida excepcional, quando restarem inviabilizados outros meios executórios que permitam satisfazer a execução e sempre avaliando, de forma concreta, o impacto que a constrição pela penhora do salário trará ao devedor.
A crítica negativa que fica é o grau de subjetividade e insegurança jurídica que o entendimento acima esposado trará aos processos de execução, já que dependerá da análise por cada julgador do caso concreto, inexistindo qualquer critério objetivo.
De forma positiva, percebe-se que esse entendimento reduz a proteção excessiva ao devedor, permitindo uma maior satisfação de um crédito pelo credor.
Caso tenha dúvidas quanto à realização do acordo trabalhista, nos procure!
Por José Borges de Sales Neto, pós graduado em Direito Público (Unidep), MBA em planejamento tributário estratégico (PUC Rio), e Aline Marjorie Pio de Melo, pós graduada em Direito Processual Civil (Unifor), pós graduada em Direito Societário (EBRADI), ambos advogados da ABV Advogados.