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O SERVIDOR PÚBLICO QUE OBTÉM APOSENTADORIA ESPECIAL PODE CONTINUAR A EXERCER ATIVIDADE NOCIVA À SAÚDE DECORRENTE DE ACUMULAÇÃO LÍCITA DE CARGOS PÚBLICOS?

O servidor público que obtém aposentadoria especial pode continuar a exercer atividade nociva à saúde decorrente de acumulação lícita de cargos públicos?

O Supremo Tribunal Federal – STF decidiu, no último dia 08 de Junho de 2020, sobre a tese de repercussão geral de n° 709: Possibilidade de percepção do benefício da aposentadoria especial na hipótese em que o segurado permanece no exercício de atividades laborais nocivas à saúde.
Entendeu o Tribunal, ao julgar definitivamente a questão, que

o empregado que se aposenta na modalidade
especial não pode continuar a exercer atividades
que expõem sua saúde à risco.

No referido julgamento, a tese consolidada se dividiu em dois tópicos assim sintetizados:

 

“É constitucional a vedação de continuidade da percepção de
aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade
especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela
que ensejou a aposentação precoce ou não”
“Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria
e continuar a exercer o labor especial, a data de início do
benefício será a data de entrada do requerimento, remontando
a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros.
Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na
judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno
ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício
previdenciário em questão”.

A repercussão geral é um mecanismo de filtragem dos processos para que subam ao Supremo. Uma vez reconhecida, pelo STF, a relevância social, política, econômica ou jurídica de um tema, os processos semelhantes ficam sobrestados nos tribunais de origem aguardando o julgamento do mérito pelo Supremo. Quando julgada a tese, passa-se a ter a possibilidade de os Tribunais inferiores adotarem a tese fixada para resolver casos idênticos e reduzir o número de processos que são encaminhados ao Tribunal Constitucional.

Quando há decisão do STF com repercussão geral,
o entendimento passa a ser obrigatório para
todo o Judiciário.

Embora o recente entendimento da Suprema Corte seja restrito àqueles segurados pelo Regime Geral de Previdência Social (INSS), muitos servidores públicos voltaram sua atenção para a decisão: poderia ela produzir efeitos nas suas relações com a Administração Pública?

A Súmula Vinculante n° 33 permitiu a muitos servidores públicos finalmente exercerem o direito assegurado constitucionalmente de aposentadoria especial, ao dispor que as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, a eles se aplicam até a edição de lei complementar específica.

Contudo, por admitir a aplicação da legislação previdenciária que rege os trabalhadores em geral também aos servidores públicos, a Súmula Vinculante n° 33 do STF em cotejo com a recente decisão sobre o tema n° 709 faz surgir questionamento sobre eventuais restrições ao servidor público:

doravante, aplica-se também a essa categoria
a vedação de exercício de atividade nociva à
saúde após deferimento de aposentadoria especial?

Entendemos que não.

Como bem disposto na Súmula Vinculante n° 33, a aplicação subsidiária das normas do regime geral deverá se dar apenas “no que couber”, ou seja, não se trata de permissivo para aplicação irrestrita.

A situação específica da vedação à continuidade de exercício de atividades em condições de rico à saúde é evidentemente incompatível com a relação jurídica dos servidores públicos com a Administração Pública, diante não apenas da norma constitucional que permite expressamente a esses o acúmulo de cargos públicos e o acúmulo de proventos nas circunstâncias dispostas no art. 37, inciso XVI e § 10, da Constituição Federal, como também o regime previdenciário, distinto do regime geral. Ademais, e o que entendemos mais relevante,

não há norma constitucional ou legal que restrinja, em seu texto,
a acumulação de cargos públicos ou proventos em situações
de exposição da saúde, seja na atividade, seja na inatividade,
ao contrário do que ocorre com aqueles que se
sujeitam ao regime geral da previdência (INSS).

Os argumentos que amparam o voto do Ministro Relator Dias Toffoli no julgamento da repercussão geral n° 709 sustentam que tanto a aposentadoria especial como a vedação da legislação previdenciária de continuidade de atividades nocivas após a concessão do benefício se dão em razão da nocividade das atividades desempenhadas, de modo que o labor por menos tempo e a cessação da exposição seriam uma forma de compensar e proteger o trabalhador. Nessa linha, sustenta a decisão que seria ilógico e desarrazoado permitir ao trabalhador o retorno ou continuidade de uma atividade que foi justamente a causa de sua aposentadoria precoce. A vedação contida na norma previdenciária, ademais, não impede o trabalhador de exercer outras atividades: caso necessite complementar sua renda, pode buscar outras ocupações que não aquelas danosas à saúde.

Contudo, no caso dos servidores públicos tais raciocínios encontram óbice:

(i) na vontade da Constituição Federal – que lhes
reconheceu, expressamente, o direito à aposentadoria
especial, e admitiu a acumulação de cargos atendidas
as disposições constitucionais, sem restringir tal acumulação
em caso de atividades que exponham sua saúde à risco; e
(ii) na própria ausência de norma que fixe qual
providencia adotaria a Administração no caso de
servidor investido em dois cargos públicos vier a se
aposentar pela modalidade especial em um deles,
quando ambos os cargos o submetem à
risco e ensejem aposentadoria especial.

Ora, sendo cediço que à Administração só cabe fazer o que a lei determina, não poderia essa impedir o servidor de continuar no acúmulo lícito e constitucional do cargo e dos proventos, não lhe sendo lício promover sua exoneração ou mesmo a demissão, uma vez que a primeira é ato de vontade do servidor, via de regra, e a segunda, sanção em caso de falta grave, o que não é o caso. Ilegal, também, o afastamento do servidor de suas atribuições ou mesmo designação para atividades distintas, haja vista que tal conduta implicaria em evidente desvio de função e burla ao concurso público.

Diante dos argumentos apresentados, o servidor
público que se aposenta na modalidade especial
pode continuar a exercer atividade nociva à saúde
decorrente de acumulação lícita de cargos públicos.

Não se pode admitir que a Administração adote qualquer medida que impeça a esse servidor de continuar no exercício das atividades inerentes ao cargo no qual ainda não implementou tempo suficiente para nova aposentadoria, posto que não autorizado em lei, e, mesmo que assim o fosse, esta encontraria impedimento na própria Constituição.

 

Juliana Abreu, sócia da Abreu Barbosa Viveiros, Mestre em Direito Público, Professora Universitária, membro fundadora do Instituto Cearense de Direito Administrativo – ICDA.

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