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É CONSTITUCIONAL! Supremo Tribunal Federal decide que é possível apreender carteira de habilitação e passaporte, para compelir o devedor a cumprir sua obrigação.

O legado literário de Shakespeare é inquestionável, mas o que poucos sabem é que, dentre suas tragi-comédias, uma delas dialoga com o universo jurídico, mais especificamente, com a Execução das Obrigações.

Trata-se do Mercador de Veneza; peça teatral do final do Séc. XVI que, sem querer, inaugurou uma discussão nos bancos acadêmicos sobre a menor onerosidade para o devedor. Interessa para este pequeno ensaio que o leitor saiba que, para ajudar o amigo Bassanio, Antonio contraiu empréstimo a juros de três mil ducados, junto ao judeu Shylock, que viu no pedido uma oportunidade de se vingar de Antônio, contra quem nutria antiga rixa.

A decisão do STF não ofende o princípio da menor onerosidade para o devedor, pois tal princípio limita, apenas, os abusos de cobrança do credor, nunca, o poder do juiz de fazer valer sua ordem.

Então, no contrato, editou cláusula que previa que o não pagamento daria ao credor Shylock o direito de escolher entre cobrar juros, ou executar a obrigação, que seria honrada com uma libra da pele de Antônio, extraída por meio de chicotada na altura de seu coração. Antônio não conseguiu pagar e a questão foi levada ao Tribunal. O resto da história deixamos para pesquisa dos curiosos.

A situação descrita orientou os juristas, nos séculos seguintes, na elaboração de técnicas de defesa do devedor, contra cobranças abusivas. Isto implicou na proibição de práticas primitivas, como castigos físicos e vinganças privadas. No início do Séc. XX, até mesmo as prisões por dívidas foram banidas, com raras exceções. Neste particular, destaque-se o artigo 7º, inciso 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Art. 7º, inciso 7 – Ninguém deve ser detido por dívidas …). Na legislação brasileira tal postulado está no artigo 5ª da Carta Política (LXVII – não haverá prisão civil por dívida …) e nas seguintes normas infraconstitucionais:

 

(CDC – Art. 42.  Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça) e (CPC Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações… E Art. 805 – Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado).

Observe que a responsabilidade do devedor, via de regra, é somente patrimonial, livrando-o da restrição de liberdade e, até mesmo, do constrangimento. A grande celeuma que se põe em questão agora é a recente decisão do STF que, na ADI nº 5941, julgou constitucional o artigo 139, inciso IV do novo CPC, que autoriza aos juízes a adoção de medidas indutivas e coercitivas para compelir o devedor ao cumprimento de suas obrigações, inclusive, de natureza pecuniária.

Na época de sua edição, tal dispositivo ganhou poucos holofotes, e por isso mesmo, muitos juízes começaram a adotar medidas havidas como inconstitucionais, pois supostamente ofendiam as garantias pessoais do devedor, tais como, apreensão de passaportes e carteiras de habilitação. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, vinha validando tais decisões. Ocorre que, para o estudioso mais incauto, não há inconstitucionalidade, nem ofensa ao princípio da menor onerosidade, pois tal princípio limita, apenas, os abusos de cobrança do credor, nunca, o poder do juiz de fazer valer a sua ordem. É que, na qualidade de presidente do feito, o magistrado deve possuir meios de impor sua autoridade.

Se determina que o credor pague e ele encontra subterfúgios para se ocultar e camuflar seu patrimônio, não é ao credor que desafia, senão, ao Estado Juiz. Foi neste sentido o voto do relator, Min. Luiz Fux, que consignou:

É inconcebível que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha a prerrogativa de fazer valer as suas decisões.

Portanto, quando a penhora não for capaz de suprir a ordem e satisfazer o credor, cabem as alternativas do artigo 139, inciso IV, validadas pelo STF, pois não é uma carta branca ao abuso na cobrança; é tão somente, uma inovação nas medidas judiciais de coercibilidade. Mas, há espaço para discussão.

 

 

 

 

Glauco Cidrack do Vale Menezes (glauco@abvadvogados.com.br) – Mestre em Ciências Jurídico-Processuais pela Universidade de Coimbra, graduado em Direito e pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR.  Professor Universitário de Direito Civil e Processo Civil.

 

 

 

 

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