PROTEÇÃO TRABALHISTA À GESTANTE NA PANDEMIA
Sob o prisma da legislação trabalhista, a gestante é considerada integrante do grupo de risco para COVID-19?
Até a edição da Lei nº 14.151/2021, publicada em 13/05/2021, a gestante não era considerada integrante do grupo de risco para a COVID-19. Isso porque, ao apresentar a definição do grupo de risco, mediante edição da Portaria Conjunta nº 20, de 18/06/2020, o Ministério da Economia – Secretaria Especial de Previdência e Trabalho deliberou que apenas as gestantes de alto risco pertenciam ao grupo. O alto risco mencionado na Portaria, e considerado como critério para fins de enquadramento no grupo de risco, consistia no acometimento da gestante por alguma(s) das comorbidades listadas pela literatura médica e assim reconhecidas pelos órgãos vinculados ao Ministério da Saúde.
A citada Portaria consiste em norma de observância obrigatória e estabelece as medidas a serem observadas visando a prevenção, o controle e a mitigação dos riscos de transmissão da COVID-19 nos ambientes de trabalho.
Contudo, com a edição da Lei nº 14.151/2021, que se situa, no ordenamento jurídico vigente, em patamar hierarquicamente superior ao da Portaria, o afastamento da empregada gestante das atividades presenciais laborais tornou-se medida obrigatória durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus.
Isso significa dizer que a partir da vigência da Lei nº 14.151/2021 a gestante passou a ser considerada integrante do grupo de risco para o COVID-19 sob o prisma da legislação trabalhista.
Cumpre observar, por oportuno, que antes da edição da Lei nº 14.151/2021, o Ministério Público do Trabalho já tinha editado a Nota Técnica 01/2021, datada de 14/01/2021, na qual recomenda o afastamento da empregada gestante do trabalho presencial, com remuneração assegurada, sem fazer distinção no que se refere a gestação de alto risco, ou seja, já considerava necessário o afastamento de todas as gestantes, independente de restarem acometidas de comorbidades ou não, o que gerava inúmeras dúvidas, haja vista o conflito com as orientações da Portaria.
Porém, como as Notas Técnicas do MPT não possuem força de Lei, e, portanto, não possuem caráter obrigatório, mas apenas de recomendação, o empregador não poderia ser obrigado a afastar a empregada gestante que não tivesse apresentado parecer médico indicando o elevado risco da gravidez, ou seja, indicando a comorbidade.
Portanto, para fins de afastamento das atividades laborais presenciais, apenas a partir da edição Lei nº 14.151/2021 foi que passou a ser desnecessária a comprovação da gestação de alto risco, bastando a comprovação da gestação.
O empregador pode exigir da empregada gestante a apresentação de atestado médico com indicação de CID?
A jurisprudência trabalhista considera que a exigência de atestado médico com a indicação de CID viola direito fundamental do empregado à intimidade e à privacidade, assegurando que o médico somente deve informar o CID no atestado caso haja solicitação do paciente. Deste modo, a exigência, pelo empregador, da indicação do CID no atestado apresentado pelo empregado é proibida.
No caso específico das gestantes, além da proibição em comento, deve ser considerado que o estado gestacional não se trata de patologia, logo, impossível exigir a indicação de CID. Ademais, deve ser considerado que a Nota Técnica 01/2021 do MPT também veda essa exigência.
Quais as possibilidades concedidas ao empregador pela Lei nº 14.151/2021?
A Lei nº 14.151/2021 assegura o afastamento total da empregada gestante de suas atividades laborais apenas na hipótese de não ser possível a adequação das atividades a distância, pois assegura que a empregada ficará à disposição do empregador para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
A Lei, neste ponto, também está em consonância com o disposto na Nota Técnica 01/2021 do MPT, pois além de abranger todas as gestantes (de risco ou não), não estabelece o afastamento do trabalho (de forma geral) como medida principal, mas apenas como medida extrema.
É possível remanejar a empregada gestante para outro setor considerado pelo empregador como salubre?
Não. A Lei nº 14.151/2021 veda em absoluto o trabalho presencial da gestante.
É possível remanejar a empregada gestante para o exercício de outra função?
Sim. Desde que a outra função seja realizada na modalidade de teletrabalho, ficando assegurado o pagamento da remuneração no mesmo valor, assim como o direito da empregada de retomar a função anteriormente exercida, o que encontra fundamento no inciso I, do §4º, do Art. 392 da CLT.
Não sendo possível ajustar as atividades laborais da empregada gestante para a modalidade de teletrabalho, de quem é a responsabilidade pelo pagamento da remuneração?
Diferente do que ocorre na hipótese de aplicação do Art. 394-A da CLT, na qual o INSS arca com o pagamento do benefício previdenciário, na hipótese da Lei nº 14.151/2021, é do empregador a responsabilidade pelo pagamento da remuneração.
Até quando a Lei nº 14.151/2021 será válida?
A Lei nº 14.151/2021 é expressa ao assegurar a obrigatoriedade do afastamento do trabalho presencial da empregada gestante durante todo o período da “emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus”, a qual é definida pelo governo federal mediante análises dos riscos no âmbito nacional, estadual e municipal.
Portanto, não há período determinado para vigência desta Lei, competindo ao governo federal indicar o fim da emergência de saúde pública.
A Lei nº 14.151/2021 se aplica às lactantes?
Não. Diferente do Art. 394-A da CLT, a Lei nº 14.151/2021 se aplica apenas às gestantes.
Caso a empregada gestante já tenha recebido a vacina contra o novo COVID-19, ainda assim persiste a obrigatoriedade do afastamento?
A Lei nº 14.151/2021 é omissa neste ponto, pelo que se entende que o afastamento é obrigatório mesmo para as empregadas gestantes que já tenham sido vacinadas, especialmente porque, até então, a informação repassada pelos órgãos da saúde é a de que a vacina não é garantia total de prevenção quanto à aquisição da doença, mas apenas de proteção quanto ao desenvolvimento da doença na forma mais grave.
O advento da Lei nº 14.151/2021 retira dos empregadores a opção de aplicar às gestantes a MP nº 1045 de 2021, que trata sobre a suspensão do contrato de trabalho, redução da jornada e do salário e concessão de férias antecipadas?
Não houve revogação expressa nem tácita da MP nº 1045/2021 pela Lei nº 14.151/2021 no que se refere às gestantes, dado que não há incompatibilidade entre as normas. Assim, persistem as alternativas de suspensão do contrato de trabalho, redução da jornada e salário das gestantes e concessão de férias antecipadas. A decisão sobre qual a melhor medida a ser adotada deve ser analisada caso a caso, avaliando os benefícios e malefícios advindos da aplicação de cada norma, assim como a realidade e os interesses de ambas as partes em cada situação.
O que não pode deixar de ser levado em consideração é que, ao decidir por aplicar alguma das hipóteses da MP 1045/2021, a empregada gestante terá assegurado o período de garantia de emprego equivalente ao acordado para a redução da jornada de trabalho e do salário ou para a suspensão temporária do contrato de trabalho, contado da data do término do período da garantia estabelecida na alínea “b” do inciso II do caput do art. 10 do ADCT. Ao passo em que o valor do benefício que receberá do governo poderá ser inferior ao valor da remuneração que recebe do empregador, há chances do empregador ser condenado ao pagamento da diferença, em caso de pleitos das empregadas, já que a Lei assegura que não pode haver prejuízo da remuneração no afastamento da gestante.
As empregadas gestantes podem não aceitar as férias antecipadas?
Não. O Art. 134 da CLT assegura que a concessão das férias é ato do empregador. Trata-se de uma consequência do poder diretivo. Além disso, especificamente quanto à concessão de férias antecipadas, o art. 5º, caput e o § 2º, da MP nº 1046/2021 asseguram que se trata de uma faculdade do empregador.
O afastamento previsto na Lei nº 14.151/2021 deve ser imediato?
De acordo com a interpretação literal da Lei, o afastamento deve ser imediato, pois o art. 2º diz que a Lei entra em vigor na data de sua publicação (13/05/2021). No entanto, o que se percebe é que não houve uma razoabilidade por parte do legislador ao definir a aplicação imediata, pois trata-se de uma questão que envolvem procedimentos burocráticos que demandam um lapso temporal razoável. Apesar disso, a Lei não estabelece aplicação de multa ou outra penalidade na hipótese de o afastamento não ser aplicado de forma imediata, razão pela qual entende-se que, neste primeiro momento, de adaptação, os empregadores não serão penalizados por não terem afastado as empregadas gestantes exatamente no dia 13/05/2021.
Ressalta-se, contudo, que os empregadores devem deliberar sobre esta questão com brevidade, pois apesar da necessidade de tempo razoável para adoção dos procedimentos burocráticos decorrentes, não pode fugir aos limites da razoabilidade, dada a possibilidade de fiscalização e de demandas trabalhistas.
Na hipótese de afastamento da empregada gestante para trabalho remoto, ou mesmo na hipótese de afastamento total, o adicional de insalubridade deve continuar a ser pago?
Sim, pois a Lei assegura a manutenção da remuneração, na qual se incluem o salário e todas as demais vantagens e adicionais, incluindo o adicional de insalubridade. Inclusive, se fizermos uma analogia ao Art. 394-A da CLT, chegaremos a mesma conclusão, pois o citado artigo assegura expressamente a manutenção do pagamento do adicional de insalubridade.
O empregador só poderá deixar de pagar o vale transporte, pois em qualquer das duas situações não haverá deslocamento residência-trabalho e vice-versa (Lei nº 7.418/1985).
Na situação de aplicação do trabalho remoto da empregada gestante, o empregador deve fornecer todos os equipamentos necessários?
Sim. Caso o empregador remaneje a empregada para o exercício de suas atividades laborais na modalidade remota, caberá ao mesmo o ônus de fornecer todas as ferramentas necessárias para que a empregada realize seu trabalho, podendo porém ser ajustado com o empregado o valor e a forma de pagamento.
A omissão do empregador no afastamento da empregada gestantes atrai para o mesmo a responsabilidade civil e criminal pelos danos que essa empregada venha a sofrer, caso contraia o novo coronavírus no ambiente de trabalho?
Sim, o empregador poderá ser responsabilizado pelos danos que a empregada eventualmente venha a sofrer caso contraia o coronavírus no ambiente de trabalho. Porém, a responsabilização do empregador não incide apenas em relação à empregada gestante, mas em relação a todos os empregados, devendo ser provado que o empregado efetivamente adquiriu o COVID-19 no ambiente de trabalho, o que torna a situação bastante complexa e de difícil comprovação – o que não significa ser impossível.
Sabe-se que a gestante possui estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Caso seja dispensada sem justa causa durante a pandemia, além da responsabilidade do empregador de arcar com o pagamento da indenização substitutiva a esta estabilidade, o mesmo poderá incorrer em alguma outra penalidade?
Sim, poderá ser responsabilizado ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes de dispensa discriminatória. Inclusive, na Nota Técnica 01/2021 o MPT alerta que a dispensa de trabalhadoras gestantes nesse período de pandemia pode vir a configurar hipótese de dispensa discriminatória prevista no art. 373-A, inciso II, do Decreto lei n. 5452/43 (CLT) e art. 4º. da Lei 9.029/99.
Por Juliana Oliveira, advogada da ABV Advogados, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Ciências e Tecnologia/PI e especialista em Direito Previdenciário pela Faculdade de Ciências e Tecnologia/PI.
E Ihana Braga, advogada da ABV Advogados, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (“Lato sensu”); em Direito Previdenciário (“Lato sensu”), e em Direito de Família e Sucessões (“Lato sensu”), cursando MBA em Direito Acidentário junto a Faculdade LEGALE, com foco no Direito do Trabalho e Previdenciário.