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ARTIGO | A cobrança de dívida prescrita

Por Narllyane Ferreira Guedes (narllyane@abvadvogados.com.br), Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Advogada da ABV Advogados, e Larissa Maria Nascimento Ferreira (larissa@abvadvogados.com.br), Pós-graduanda em Direito e Processo Previdenciário pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Graduada em Direito pela Universidade Christus (UNICHRISTUS) e Advogada da ABV Advogados.

Conforme informações fornecidas pelo Serasa em setembro de 2023, o Brasil apresenta aproximadamente 71,82 milhões de cidadãos em estado de inadimplência.

É comum a percepção equivocada de que uma obrigação financeira torna-se nula após transcorridos cinco anos sem quitação. Todavia, é importante esclarecer que, na realidade, há um prazo legal de cinco anos durante o qual o credor conserva o direito de buscar judicialmente a cobrança da dívida. Esses cinco anos também definem o período máximo de permanência do nome do devedor no cadastro de órgãos de proteção ao crédito, como o Serasa e o SPC. Segundo o art. 43, parágrafo primeiro, do Código de Defesa do Consumidor, esse prazo começa a contar a partir da data em que a dívida venceu, independentemente da data da inscrição do indivíduo no cadastro de inadimplentes. Contudo, isso não significa que depois desse período a dívida desaparece completamente.

Importante esclarecer que a prescrição da cobrança após cinco anos não incide sobre todas as dívidas. O artigo 206, do Código Civil traz as especificidades e os prazos de prescrição de diferentes tipos de débitos:

  • Em um ano, prescreve o direito do segurado em relação ao segurador e vice-versa;
  • Em dois anos, a pretensão de dívidas de pensão alimentícia; 
  • Em três anos é o tempo que o locador tem para cobrar dívidas do inquilino inadimplente;
  • Em cinco anos, prescrevem as dívidas líquidas contraídas de instrumento público ou particular;
  • E quando a lei não determina prazo menor, a prescrição ocorre em 10 anos.

Ademais, o art. 14 da lei nº 12.414/11, admite a manutenção de informações acerca do inadimplemento por até 15 anos. 

Por sua vez, o Enunciado de nº 11 do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo prevê que a cobrança extrajudicial de dívida prescrita é ilícita e que o seu registro na plataforma “Serasa Limpa Nome” ou similares de mesma natureza, por si só, não caracteriza dano moral, exceto se for provada a divulgação a terceiros ou a alteração no sistema de pontuação de créditos: score.

No contexto do estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça tem emitido decisões que consideram a cobrança extrajudicial após o prazo de prescrição como uma prática abusiva. Em processos julgados pela 16ª Câmara de Direito Privado e 30ª Câmara de Direito Privado (processo nº 10002882220238260002 e processo nº 10070336820218260008), foi entendido se tratar de uma circunstância que não permite sequer a cobrança extrajudicial da obrigação, pois tal cobrança, impacta na pontuação de crédito do consumidor, sendo motivo suficiente para caracterizar indenização por danos morais.

Todavia, do mesmo tribunal também existe entendimento de modo diverso, ou seja, pela possibilidade da cobrança extrajudicial. O desembargador relator Marino Neto em um de seus votos, apontou que em que pese a existência do referido enunciado, sem lei que preveja como ilícita a cobrança extrajudicial de dívida prescrita, de forma pura e simples, isto é, sem abuso, não há que se falar em ato ilícito a sua ocorrência.

Já em processos julgados pela 11ª Câmara de Direito Privado (processo nº 1001107-51.2020.8.26.0361 e processo nº 1022657-07.2022.8.26.0564), entendeu-se que o fato de a dívida estar prescrita não a torna inexistente e pode ser objeto de cobrança. Ademais, ainda foi considerado nos julgados que a prescrição alcança tão somente o direito de ação do credor em exigir judicialmente o pagamento do débito contraído pelo devedor e que os atos de cobrança não representam abuso de direito.

Por sua vez, em ação ajuizada no estado da Bahia (processo nº 0058275-89.2021.8.05.0001) em que a parte pleiteava por indenização por danos morais em razão das cobranças extrajudiciais de dívida prescrita, a relatora destacou que nada impede a cobrança na via administrativa, visto que, embora prescrita, a dívida é mantida como obrigação natural. Considerou, portanto, que não foi cometido qualquer ato ilícito pela credora e entendeu pela inexistência de dano moral, ante a ausência de publicidade e ante a liberalidade das instituições em ofertar crédito.

Tendo em vista o cenário controverso, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por meio do julgamento dos Recursos Especiais nº 2.088.100 e nº 2.094.303, reconheceu a impossibilidade de cobrança da dívida prescrita, tanto por meio judicial quanto extrajudicial, de modo que não haverá possibilidade de exigir o pagamento pelo devedor. A edição 792 do informativo de jurisprudência do STJ, divulgada em 07/11/2023, confere com destaque para esses julgamentos.

Deste modo, pode-se concluir que, havendo a prescrição da pretensão, o credor está impedido de realizar cobranças judiciais e extrajudiciais.

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