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A FORÇA COGENTE DAS NORMAS ESTATAIS E A FLEXIBILIZAÇÃO PERMITIDA POR MEIO DOS ACORDOS E CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO: ANÁLISE DAS COTAS DE PCD´S PREVISTAS NO ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91 À LUZ DA REFORMA TRABALHISTA

A reforma trabalhista advinda com a edição da Lei nº 13.467/2017 trouxe várias mudanças significativas no cenário laboral. Dentre as mais de 200 modificações, uma das que obtiveram maior destaque se deu no campo do Direito Coletivo do Trabalho.

De efeito, a reforma introduziu os artigos 611-A e 611-B na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), trazendo várias hipóteses que podem ser objeto de flexibilização e fixando que eventual negociação desses direitos prevalecerá sobre o disposto em lei. O ponto positivo desta alteração, para muitos estudiosos, é de que a mesma traz flexibilidade, liberdade e desburocratização, permitindo condições favoráveis tanto para o empregado quanto para o empregador e incentivando a autonomia privada. Por outro lado, a Lei nº 13.467/2017 também estabeleceu limites à tal negociação, vedando o alcance para determinadas matérias.

O propósito deste breve artigo é analisar o alcance dessas possibilidades de negociação e as possibilidades que os sindicatos tem de negociar novas questões que trazem dificuldades na lida da relação diária de trabalho, especificamente no que se refere ao cumprimento da cota de pessoas portadoras de deficiência estabelecida no artigo 93 da Lei nº 8.213/91.

Referida Lei estabelece que a empresa com 100 ou mais funcionários está obrigada a preencher de 2 (dois) a 5 (cinco) por cento dos seus cargos com beneficiários reabilitados, ou pessoas portadoras de deficiência, na seguinte proporção:

– até 200 funcionários……………… 2%

– de 201 a 500 funcionários……….. 3%

– de 501 a 1000 funcionários……… 4%

– de 1001 em diante funcionários… 5%

A Lei se furta, contudo, a informar com precisão de que forma devem ser contabilizados e quais os cargos e atividades que devem entrar na composição desse cálculo, lacuna que gera inúmeras demandas administrativas e judiciais em razão das dificuldades enfrentadas pelos empregadores no cumprimento de tais cotas.

Não à toa que que várias entidades de classe sinalizam para tais dificuldades, como se pode observar na matéria realizada pela Fecomércio em 2018, a qual revela que estudo do iSocial confirma esse problema ao apontar que 85% dos contratantes têm dificuldade em encontrar candidatos com deficiência[1].

[1] Empregadores encontram desafios para cumprir Lei de Cotas. Fecomércio. Disponível em https://www.fecomercio.com.br/noticia/empregadores-encontram-desafios-para-cumprir-lei-de-cotas.
Acesso em: 10 março 2019.

Aproveitando as inovações trazidas pela reforma trabalhista e contemplando a lacuna da lei, temos observado que alguns sindicatos tem fixado, em normas coletivas, os critérios que serão utilizados para contabilizar os cargos e funções para incidir o percentual de cota de deficientes, justamente porque a CLT reformada não trouxe nenhuma vedação a esse tipo de negociação, bem como por não se tratar de uma questão que vá afetar objetivamente a relação direta entre empregado e empregador, mas sim conferir uma oportunidade de mercado de trabalho a pessoas que nele não estão inseridas.

Sem dúvidas há particularidades que devem ser ponderadas quando se trata do alcance dos instrumentos coletivos de trabalho, os quais, em muitos casos, conseguem refletir de forma mais precisa e adequada as particularidades de cada categoria profissional. No entanto, se de um lado o Poder Legislativo lança  normas cogentes/de ordem pública, ou seja, normas estatais cujo cumprimento se impõem; e se de outro lado surgem os instrumentos coletivos com uma proposta de suprir  uma deficiência estatal de regular essas relações, porque não permitir aos sindicatos a regulação de tais lacunas por meio das negociação coletiva?

Decerto que o tema em apreço desperta inúmeras indagações: o sindicato poderia  negociar matéria que vai além da relação empregado e empregador? Quais os limites para tanto? Quais as balizas? Quais os critérios para definir como a empresa deve cumprir essa cota? Será que esta atuação não irá afetar diretamente a relação entre empregado e empregador? Será que não seria viável tendo em vista que a CLT permitiu que prevalecesse o negociado sobre o legislado e nem restringiu o tratamento de tal matéria?

Ora, a nosso ver, se o Ministério Público do Trabalho tem se valido de termos de ajustamento de conduta para  fixar esses critérios, diante da constatação estatística e fática da impossibilidade de os empregadores darem cumprimento às cotas, porque não poderiam os sindicatos, antes mesmo de atuação do parquet, adotar tal iniciativa?

Nesse sentido, já existe precente do Tribunal Superior do Trabalho, que por meio da Seção de Dissídios Coletivos, entendeu válida cláusula de Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) que flexibilizou o cálculo para cumprimento para cota de deficientes de uma determinada categoria. Na oportunidade, a seção declarou a validade de cláusula de CCT firmada entre os sindicatos de empresas e de trabalhadores de vigilância privada do Tocantins, que restringiu a base de cálculo de empregados deficientes a apenas os trabalhadores das áreas administrativas, excluindo, portanto, os vigilantes, senão vejamos:

“RECURSO ORDINÁRIO – AÇÃO ANULATÓRIA – CLÁUSULA 16 – CONTRATAÇÃO DE PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA HABILITADO OU REABILITADO – SERVIÇO DE VIGILÂNCIA. É válida cláusula convencional que altera a base de cálculo da reserva legal de vagas de pessoas com deficiência (art. 93 da Lei nº 8.213/1991) para cargos compatíveis com suas habilidades, em atenção à realidade do setor. Valorização do instrumento autônomo, nos termos do art. 7º, XXVI, da Constituição da República. Recurso Ordinário conhecido e desprovido.” (Processo nº 76-64.2016.5.10.0000, Relatora: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 13/03/2017, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: 11/04/2017).

Em contrapartida, o Ministério Público do Trabalho, em Agosto de 2018, ingressou, no TST, com ação anulatória de cláusula normativa, distribuída sob o nº 1000639-49.2018.5.00.0000,  pretendendo a anulação  das cláusulas da CCT firmada entre o Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA) e o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) que excluem os aeronautas da base de cálculo das cotas mínimas de contratação de aprendizes e de pessoas com deficiência ou reabilitadas.

Verifica-se que a novel possibilidade já está lançada na prática e que todas as dúvidas suscitadas estão próximas de serem dirimidas, tendo em vista que já há precedente do TST, o qual, contudo, não é vinculante e não tem sido aceito pelo Ministério Público do Trabalho. O tema merece, portanto, paciência enquanto não pacificado. A solução, contudo, é promissora.

De efeito, as vindouras decisões das cortes laborais certamente deverão nortear empregados, empregadores e sindicatos quanto à possibilidade de negociação nesse tocante e consequente  validade de cláusulas normativas que flexibilizam a forma de cumprimento das cotas, em especial à luz das alterações promovidas pela Reforma Trabalhista.

Nessa perspectiva, vislumbramos uma grande oportunidade de se repensar o tema e de se provocar o debate e a jurisprudência. A apresentação de soluções concretas, permitindo a efetividade de uma norma com histórico de queixa entre os empregadores, de dificuldade de interpretação e que nem sempre encontra, no âmbito da legislação e jurisprudência trabalhista, uma aplicação com a devida razoabilidade, permitirá não apenas  que os deficientes físicos tenham acesso ao mercado, mas também que os empresários realizem suas atividades de uma forma eficiente, cumprindo, por via de consequencia, com a sua função social.

João Marcos e Juliana Abreu
Sócios Abreu, Barbosa e Viveiros Advogados

 

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