Por José Borges de Sales Neto, pós graduado em Direito Público (Uniderp), MBA em planejamento tributário estratégico (PUC Rio), advogado da ABV Advogados.
Foi sancionada em 30 de outubro de 2023, mas com vetos, a nova Lei 14.711, que está sendo chamada de Marco Legal das Garantias, isso porque a nova norma, além de outras matérias importantes, traz uma reforma do cenário jurídico relacionado às garantias reais, com o propósito de promover maior segurança jurídicas nas relações envolvendo a obtenção de crédito.
Quais foram as principais inovações trazidas pela lei?
> Alienações Fiduciárias Supervenientes
O Marco Legal das Garantias trouxe importantes alterações às regras da alienação fiduciária de bem imóvel, permitindo o que agora é chamado de alienação fiduciária sucessiva da propriedade superveniente.
A nova lei permite que haja, dentro do limite da “sobra da garantia” – quando o imóvel é avaliado em quantia superior ao empréstimo contraído, o registro de sucessivas alienações fiduciárias para um mesmo imóvel.
Vale, no entanto, um destaque, pois as alienações supervenientes apenas serão eficazes a partir do cancelamento daquela constituída anteriormente.
Logo, se a garantia dada pelo imóvel for de R$ 100 mil, mas a dívida for de apenas R$ 50 mil, é possível que esse mesmo imóvel seja garantido em nova operação até o valor de R$ 50 mil.
Nesse sentido, durante a vigência da garantia anterior, a subsequente não pode ser executada, mas o novo credor adquire direitos sobre o excedente do valor obtido em caso de execução da garantia anterior.
O credor subsequente também tem o direito de antecipar o pagamento das dívidas anteriores, consolidando os créditos e assumindo a posição de único credor fiduciário. Caso o credor subsequente tenha seu crédito inadimplido sem que o credor anterior inicie a execução, a aquisição do crédito anterior permite que o novo credor se torne o único detentor da garantia.
A lei dispõe a faculdade ao credor para declarar vencidas todas as obrigações de que for titular garantidas pelo mesmo imóvel quando houver o inadimplemento de quaisquer dessas obrigações, desde que reste expressamente pactuado no instrumento constitutivo da alienação fiduciária.
Além disso, o novo credor desfruta de vantagens no contexto de uma recuperação judicial que venha a ser concedida, tornando-se esse um crédito extraconcursal.
> Agente de Garantias
Houve, também, alteração relevante no Código Civil, que agora conta com previsão legal para o chamado Contrato de Administração Fiduciária de Garantias, regulamentando a figura do Agente de Garantias.
A novidade é relevante, pois, apesar de já existir na prática, por meio de construção contratual, o Agente de Garantias passa agora a ter previsão legal, dando uma maior segurança jurídica para a sua utilização.
Sua função envolve a administração da garantia em nome próprio, beneficiando os credores. Este agente pode registrar o ônus sobre o bem, gerenciar os ativos e, quando permitido pela legislação específica da garantia, realizar execuções extrajudiciais.
O agente de garantia tem um dever fiduciário em relação aos credores da obrigação garantida, o que significa que ele deve agir de boa-fé e em conformidade com os interesses dos credores, podendo ser substituído a qualquer momento, seja por decisão do credor único ou da maioria simples dos titulares dos créditos garantidos em assembleia.
A figura é de extrema importância para casos, por exemplo, de negócios envolvendo credores estrangeiros, que terá um representante local, ou mesmo quando se tratar de um empréstimo com mais de um credor, podendo uma só pessoa atuar como titular.
> Extensão da Alienação Fiduciária e da Hipoteca sobre Imóvel
A nova lei, alterando o artigo 1.487-A do Código Civil e o artigo 9º-A da Lei 13.476/2017, agora permite o uso da mesma alienação fiduciária ou hipoteca pré-existente, na medida em que a dívida é amortizada, para garantir uma nova dívida com o mesmo credor que se fará por meio de um “recarregamento” do crédito originalmente contratado, seguindo, no entanto, as regras estabelecidas na lei.
Em termos simples, o recarregamento da garantia real propõe maximizar o uso do valor do imóvel já dado como garantia, simplificando a formalização de novas operações de crédito entre as mesmas partes, e trazendo um maior aproveitando do chamado “capital morto”.
Ou seja, na prática, exemplificando, o indivíduo financia, junto a um banco, um imóvel de R$ 1 milhão, garantindo a operação por meio de hipoteca ou alienação fiduciária. Após um determinado período, o saldo devedor da dívida contraída passa a ser de apenas de R$ 500 mil, passando a existir um “capital morto” de meio milhão de reais, que pode servir para garantir um novo empréstimo com a mesma instituição financeira, estendendo a hipoteca ou alienação fiduciária para a garantia do negócio.
Para esse recarregamento, a lei exige apenas a sua averbação na matrícula do imóvel, barateando os emolumentos para a formalização registral.
No tocante ao recarregamento da alienação fiduciária em garantia sobre imóvel, essa nova modalidade restou limitada às operações feitas por instituições financeiras ou empresas simples de crédito. Já para o recarregamento da hipoteca, essa é possível para qualquer tipo de crédito e credor.
> Execução Extrajudicial das Garantias
Além de trazer inovações no que diz respeito, por exemplo, a forma de quitação e intimação, quanto à execução extrajudicial na alienação fiduciária (aquela que ocorre perante o próprio cartório de imóveis quando há o inadimplemento da dívida), a nova lei permite, agora, a execução extrajudicial para hipoteca.
Algumas outras novidades podem ser mencionadas, como, por exemplo, o concurso de credores com garantias sobre um mesmo imóvel e a possibilidade de execução extrajudicial de bens móveis, perante o Cartório de Títulos e Documentos e, no caso de veículos, perante os órgãos de trânsito.
Desse modo, o processo de execução até a consolidação da propriedade, assim como já era possível na alienação fiduciária em garantia de bem imóvel, agora poderá ser feito de forma extrajudicial, salvo o ato de busca e apreensão, que restou vetado.
> Outras Inovações Trazidas pela Lei
Importantes alterações foram trazidas para outras matérias, podendo, de forma breve, citar algumas delas:
a. Instituições poderão, a partir de convênio a ser celebrado, receber informações de cartórios de registro civil das pessoas naturais acerca de prova de vida e de domicílio de pessoa natural.
b. Os cartórios de protestos, agora, assumem nova função, podendo, antes de efetivar o protesto, buscar tentativa de solução negocial com o devedor. Mesmo após a realização do protesto, o tabelionato poderá adotar medidas visando a renegociação da dívida. O credor, inclusive, pode autorizar o tabelião a receber o valor da dívida já protestada.
c. A lei também modificou o procedimento de comunicação na realização de protesto, tornando-o menos burocrático.
d. Outra inovação importante se refere à atuação dos cartórios de notas quando da realização de cessões de precatórios, atuando junto aos Tribunais.
A ABV Advogados está à disposição dos seus clientes para garantir uma maior segurança jurídicas nas suas relações negociais.