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ENTENDA OS PRINCIPAIS PONTOS DA “LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO”

Após quase dez anos de trâmite legislativo, foi publicada a Lei n° 14.181/21, conhecida como “Lei do Superendividamento”. Este diploma legislativo atua em duas “frentes”: de início, prevê mecanismos para prevenção do superendividamento e, por último, traz mecanismos extrajudiciais e judiciais para seu tratamento.

A lei foi sancionada em um momento de grave recessão econômica, em razão da pandemia da COVID-19. De acordo com dados do IBGE[1], em 2020 mais de dezesseis milhões de pessoas tiveram suas rendas diminuídas; mais de dois milhões perderam seus empregos, o que é uma das razões que justificam o alto número de pessoas naturais inadimplentes no Brasil – mais de sessenta e um milhões, no ano de 2020, conforme dados publicados pelo SERASA[2].

 


A lei n° 14.181/21 traz alguns direitos para os consumidores que impactarão diretamente nos contratos com fornecedores, que deverão se adequar ao novo diploma.


 

Dentre os direitos dos consumidores que têm como finalidade evitar o superendividamento – que a lei define como “impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural de boa-fé pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial”, podemos apontar a obrigação do fornecedor explicitar em todos os contratos informações como custo efetivo total, taxa efetiva mensal de juros e demais encargos, direito do consumidor à liquidação antecipada, dentre outros. Já há, inclusive, decisão judicial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás condenando banco a indenizar cliente por não constar, no contrato, estas informações de forma expressa.

Ao lado de mecanismos para a prevenção do superendividamento, as grandes novidades são os institutos para seu tratamento.

A lei cria uma espécie de “recuperação judicial” para a pessoa natural superendivididada, que tanto pode se desenvolver extrajudicial quanto judicialmente.

Inicialmente, a Lei institui uma “negociação forçada”, que poderá ser mediada por profissionais ou mesmo por institutos de proteção e defesa ao consumidor – como PROCON e DECON, por exemplo – em que é obrigatória a participação de todos os credores. Neste momento, o devedor, auxiliado pelos conciliadores, apresentará um plano de pagamento das dívidas, em prazo não superior a cinco anos, garantindo ao devedor somente o valor da dívida acrescido de correção monetária.

A não participação injustificada do devedor nesta conciliação acarretará a suspensão da exigibilidade do crédito e a interrupção dos encargos de mora, bem como a sujeição obrigatória do devedor ao plano de pagamento da dívida.

Caso esta conciliação extrajudicial não seja frutífera, o consumidor instaurará processo de superendividamento que consiste em um “misto” de “revisão forçada” dos contratos com “recuperação judicial” do devedor superendividado. O processo de superendividamento culminará em um plano de pagamento, com prazo não superior a cinco anos, sendo a primeira parcela de pagamento com, no máximo, cento e oitenta dias da homologação.

O fornecedor poderá justificar sua não inclusão neste plano de recuperação, mas de acordo com a lei, o principal argumento a ser utilizado é que o consumidor contratara de má-fé, já antecipando o não pagamento. A prova de má-fé do consumidor pelo fornecedor é extremamente difícil, e se não forem levados em consideração outros aspectos do fornecedor – como sua própria situação financeira, o impacto dos processos de superendividamento no equilíbrio econômico da empresa, etc – haverá um prejuízo significativo ao mercado nacional.

O processo judicial de superendividamento é um dos pontos mais sensíveis de toda a lei, pois acaba por limitar a liberdade de contratação, e em uma visão panorâmica, poderá fazer com que os fornecedores aumentem, em cadeia, os valores de seus produtos e serviços, prevendo essa hiperjudicialização. Trata-se de um possível efeito reverso da lei que apenas o tempo poderá ou não confirmar.


Ao final, a Lei do Superendividamento visa à proteção do consumidor de boa-fé que atingiu patamar insustentável de dívidas de produtos e serviços consumíveis, trazendo obrigações para os fornecedores no momento da contratação – ajustes de contrato e nas informações repassadas aos clientes – e, sobretudo, em uma pretensa “recuperação” extrajudicial ou judicial do consumidor superendividado.


 

Por Rafael Diogo Lemos e Aline Marjorie Melo, advogados para demandas consultivas do ABV Advogados.

 


[1] PNAD-COVID. https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/

[2] SERASA: 61,4 milhões ficaram inadimplentes no Brasil em 2020. https://monitormercantil.com.br/serasa-614-milhoes-ficaram-inadimplentes-no-brasil-em-2020/

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