IMPACTOS DA POLÍTICA MONETÁRIA NOS MOVIMENTOS DE FUSÕES E AQUISIÇÕES NO BRASIL
Diante das taxas de juros mais baixas da história do País, o ambiente é propício para fusões e aquisições? Qual a tendência para 2020?
As fusões e aquisições têm diversos motivos para ocorrerem, seja para aproveitar o crescimento de um segmento da economia, ou um cenário de baixos preços de ativos, até mesmo por estratégia de ganhos de escala geográfica na aquisição de companhias ou plantas já estabelecidas em outros países, além de questões oportunistas, mas não se limitando à compra de concorrente visando a dominância do mercado.
De modo geral, os índices de fusões e aquisições são usualmente aferidos na economia a fim de se identificar os picos de desenvolvimento e produtividade das empresas e, por consequência, dos países.
Nota-se que os grandes movimentos de fusões e aquisições ocorrem principalmente quando a economia apresenta altas taxas de crescimento e/ou em um processo de desenvolvimento do ambiente de negócios em particular. No contexto de crescimento econômico acelerado, por exemplo, as fusões e aquisições podem ser mais eficientes que o crescimento orgânico em termos de uso e realocação de recursos. De outra sorte, em períodos de baixa atividade econômica, as empresas estariam pouco dispostas a realizarem investimentos relevantes, como explicam Weston, Chung e Hoag (1990).
Embora desde o século 19 se vislumbre nos Estados Unidos movimentos cíclicos de fusões e aquisições, identificados inclusive como “ondas”, impulsionados por diversos fatores distintos dos aqui verificados, no Brasil tais ondas só passaram a ser vivenciadas após a democratização e a liberalização econômica (Wood Jr., Vasconcelos e Caldas, 2004).
Foi nesse novo cenário político e econômico de democracia e liberalismo do final da década de 90 que o Brasil saiu da periferia das F&A’s, impulsionadas especialmente não apenas pelas elevadas taxas de juros – essa a razão, inclusive, das fusões horizontais com empresas multinacionais adquirindo empresas nacionais terem dominado o mercado nas ondas iniciais identificadas no País – como já destacamos acima, mas também pelo plano real, que geraou maior estabilidade financeira, pelas privatizações, pela descapitalização de grande parte das empresas nacionais, pela falta de recursos para investimento em modernização do parques tecnológicos e de redes de distribuição, pela fragmentação da atividade industrial de diversos setores em muitas pequenas e médias empresas, pelo potencial do mercado interno e pela pouca competitividade pra atuação das empresas nacionais no mercado globalizado, como observaram Matias, Barretto e Gorgati,que inclusive previram a onda de operações em 1996 (1996).
Até 2005, o incremento na venda de commodities impulsionou também as fusões e aquisições no Brasil, crescimento reduzido apenas em 2008, com a crise do subprime nos Estados Unidos. Embora nosso País não tenha sofrido impactos como os demais, os reflexos atingiram as operações de F&A, justamente em razão da predominância das empresas multinacionais nas operações. A recuperação sobreveio apenas em 2011, com um novo ciclo de crescimento.
Estudos da KPMG (2012) apontam claramente esses movimentos:
Já em 2014, a crise política e econômica do País afetaram o total de operações, mais uma vez recuperado em 2017 e fortemente incrementado em 2018, com o desfecho da crise política:
Os gráficos evidenciam que os ciclos de fusões e aquisições no Brasil coincidem com instantes imediatamente anteriores a ciclos recessivos ou de crescimento. Fatores não apenas econômicos interferem também em tais ciclos, especialmente os políticos, como se constatou no País.
Em 2019, a mudança de governo e as reformas já provocaram grande impacto, com recorde histórico nas operações. Até Setembro, foram anunciadas 614 transações, o maior volume acumulado dos últimos 5 anos:
Fonte: PWC
O acompanhamento de tais operações é relevante, porém, não apenas na perspectiva da macroeconomia, mas também na da administração de empresas, posto que boa parte dos estudos dessa ciência se baseiam na premissa de que o objetivo das empresas é a maximização do valor gerado aos seus acionistas, o qual se traduz na geração de dividendos e valorização das ações (Brigham e Ehrhardt, 2005).
Instrumentos que permitem o crescimento mais rápido, o aumento e a manutenção da rentabilidade e a redução nos riscos são objeto de estudo essencial. Esse, afinal, o principal dilema das empresas: como acelerar o crescimento de suas empresas e maximizar o lucro de seus sócios?
É com base nessas premissas que nos propomos a analisar as tendências de mercado de M&A’s, para as fusões e aquisições no Brasil. Muito embora diversos fatores contribuam para o aumento ou diminuição de tais operações, nosso propósito é analisar apenas sob a perspectiva da política monetária – neste caso, os impactos gerados pela crescente queda das taxas de juros.
Dentro da conjuntura econômica brasileira, a política monetária representa um papel de fundamental importância para o desenvolvimento da estrutura financeira do país.
A política monetária nada mais é que um conjunto de ações e medidas praticadas pelo governo, visando doutrinar o comportamento de oferta de moeda de um país. Em outras palavras, são as ações que praticadas buscam o equilíbrio de oferta de moeda em circulação, em suma prezando pela liquidez saudável para o momento. Dessa maneira, essa política tem o poder de impactar diretamente a inflação e a taxa de juros de um país.
Os instrumentos de política monetária, de um modo geral, são as variáveis que o Banco Central controla diretamente, para o que se vale de três principais instrumentos: open market, redesconto e depósito compulsório.
O Open Market ou Mercado Aberto, é a compra e venda livre de títulos públicos federais, envolvendo o Banco Central e os bancos comerciais. Esse é um instrumento considerado de curto prazo.
Essas transações permitem realizar acomodações rápidas no volume de oferta de moeda na economia. Se o Bacen compra títulos, ele expande a base monetária, colocando em circulação moeda que estava em seu poder; ao passo em que, se vende títulos, contrai a base monetária, tirando moeda de circulação.
Redesconto é um empréstimo que o Banco Central faz às instituições financeiras, para resolver problemas circunstanciais de liquidez. Esse é um instrumento considerado de médio prazo.
O redesconto é uma espécie de “última alternativa”. As taxas de juros do redesconto tendem a ser mais elevadas, para desincentivar as instituições a criar situações que criem risco de falta de liquidez. No entanto, se o Bacen quiser injetar dinheiro no mercado, ele pode reduzir essas taxas, incentivando os bancos a aumentar a disponibilidade de crédito.
Depósito Compulsório é um recolhimento obrigatório de uma porcentagem dos depósitos que os bancos comerciais recebem de seus clientes. Esse é um instrumento considerado de longo prazo.
É esse recolhimento que garante a liquidez mínima para evitar que o sistema financeiro quebre, se os clientes vierem sacar seus fundos. Também é ele que controla a multiplicação da base monetária; quanto maior a alíquota do depósito compulsório, menor a possibilidade de multiplicação.
De acordo com o próprio Banco Central do Brasil (2020), o principal instrumento de política monetária é a taxa Selic, que é definida pelo Comitê de Política Monetária, o Copom. Essa é a taxa de juros básica da economia, que afeta outras taxas praticadas e influencia a inflação.
A taxa Selic é conhecida por ser a taxa de básica de juros para a economia do Brasil e utilizada como referencial para as operações financeiras.
Essa taxa vem do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) do Banco Central. Este sistema funciona de maneira informatizada e se destina às operações de registro, custódia e liquidação dos títulos públicos federais.
O cálculo da taxa surge a partir da média ponderada de todas as operações diárias lastreadas em títulos públicos. Ao final do dia, a taxa diária da Selic é conhecida como Selic Overnight ou “Selic over”.
A taxa Selic over é a taxa e surge com o empréstimo que os bancos fazem uns aos outros com duração de um dia e que usam os seus títulos públicos como garantia. Já a taxa “Selic meta” é definida pelo Banco Central que a utiliza como instrumento de política monetária no país.
Ao longo dos últimos ano, o Copom vem reduzindo a Selic praticada no País, conforme podemos observar no gráfico abaixo. Essa sequência de reduções é coerente com a política monetária adotada, de natureza estimulativa.
Segundo (Mendonça, 2001), a taxa de juros é o principal mecanismo de política monetária utilizado pelos países no ramo econômico. Nos modelos mais tradicionais, um contexto de altas taxas de juros torna o investimento no país mais atrativo, principalmente com atração de capital externo, o que explica, em parte a evolução das fusões e aquisições no Brasil, ao contrário do que ocorre em outros cenários.
Nesse contexto, indagamos: diante das taxas de juros mais baixas da história do País, o ambiente é propício para fusões e aquisições? Qual a tendência para 2020?
Assim como o câmbio, a taxa de juros tem duplo viés nas fusões e aquisições. O primeiro aspecto a considerarmos, num cenário de altas taxas de juros, é que poucos são os investimentos que se tornariam atrativos frente aos altos retornos obtidos com os títulos de renda fixa. Ou seja, as companhias-alvo a serem adquiridas ou criadas após a fusão precisariam apresentar retornos potenciais bastante elevados para serem mais interessantes do ponto de visto econômico num cenário de altas taxas de juros.
De efeito, uma taxa de juros mais alta em relação ao período anterior acaba por deprimir o preço dos fluxos de caixa esperados da companhia adquirida, assumindo válidas as proposições de avaliação de empresa de Aswath Damodaram em Valuation – Como Avaliar Empresas e Escolher As Melhores Ações (2012), já que com um custo de capital de terceiros (dívida) maior, os fluxos de caixa seriam descontados a taxas mais elevadas e assim, por consequência, as companhias se tornariam mais baratas. Essa teoria se aplica de forma mais vigorosa às companhias listadas em bolsa, já que sua precificação tende a ser mais dinâmica e precisa.
Logo, já em cenário de baixas taxas de juros, o custo de capital de terceiros seria menor e a rentabilidade de tais empresas passa a ser mais atrativa que os retornos obtidos com títulos, o que pressupõe um cenário favorável às F&A, em resposta à indagação que levantamos.
No entanto, vale destacar que a afirmação acima é resultado de reflexão sob a ótica única e exclusiva da taxa de juros, posto que a conjuntura atual é de possível risco de o Brasil não engatar um ritmo de crescimento mais acelerado da economia, especialmente se as reformas prometidas pelo atual governo não forem colocadas em práticas, e ainda mais em tempos de instabilidade no mercado de ações e pandemias.
Devemos afirmar, porém, que há outros fatores favoráveis às F&A´s, como o baixo crescimento do PIB do País desde que saímos da recessão em 2016, o que gera efeito direto na taxa de câmbio, que vem sistematicamente abalando o Real, que perde valor frente ao Dólar. Tais movimentos também favorecem investimentos estrangeiros em nosso País.
Com isso exposto, e somando ao comportamento histórico de crescimento de F&As logo após períodos recessivos, há de se acreditar que tal mercado deverá continuar crescente no Brasil em 2020.
Referências
- BANCO CENTRAL DO BRASIL. Política Monetária. Disponível em https://www.bcb.gov.br/controleinflacao. Acesso em 29 fevereiro de 2020.
- BRIGHAM, E. F.; EHRHARDT, M. C. Financial management: theory and practice. Estados Unidos: Thomson South-Western, 2005.
- DAMODARAM, Aswath. Valuation – Como Avaliar Empresas e Escolher As Melhores Ações. LTC, 2012.
- KPMG. Pesquisa de fusões e aquisições 2012: 2o trimestre. São Paulo, 2012.
- KPMG. Pesquisa de fusões e aquisições 2018: 4o trimestre. São Paulo, 2012.
- MATIAS, Alberto Borges, BARRETO, Antonio C. P., GORGATI, Vlamir. Fusões e Aquisições no Brasil atual: Possibilidades de ocorrência de uma onda. São Paulo, 1996. Disponível em <https://www.cepe n.org.br> Acesso em 29 de fevereiro de 2020.
- MATIAS, A. B.; BARRETTO, A. C. P. M.; GORGATI, V. Fusões e aquisições no Brasil atual: possibilidades de ocorrência de uma onda. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1996.
- PWC. Pesquisa de fusões e aquisições 2019: 3o trimestre. São Paulo, 2019.
- VALOR INVESTE. Fusões e aquisições batem recorde histórico no primeiro trimestre. Disponível em <https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/empresas/noticia/2019/06/25/fusoes-e-aquisicoes-batem-recorde-historico-no-primeiro-trimestre.ghtml> Acesso em 29 de fevereiro de 2020.
- WESTON, J. F.; CHUNG, K. S.; HOAG, S. E. Mergers, restructuring, and corporate control. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1990.
- WOOD JR., T.; VASCONCELOS, F. C.; CALDAS, M. P. Fusões e aquisições no Brasil. Revista de Administração de Empresas – RAE Executivo, São Paulo, v. 2, n. 4. nov. 2003 / jan. 2004.
Por Juliana Abreu, advogada, e Roberta Vieira, economista.