A Sociedade Brasileira de Anestesiologia – SBA ajuizou Ação Civil Pública em desfavor do Conselho Federal de Odontologia – CFO, buscando provimento judicial que interditasse a realização de procedimentos de sedação de pacientes, com o uso de fármacos de uso controlado, por odontólogos, enquanto não fossem editadas regras de segurança pelo órgão federal de odontologia.
Na Ação Civil Pública de nº 1110860-65.2023.4.01.3400, a qual tramita na 3ª Vara Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, a parte autora (CFM) conjuga a interpretação das legislações pertinentes à Lei do Ato Médico, consubstanciada pela Lei nº 12.842/2013, art. 4º, § 6º e a Lei nº 5.081/1966, art. 6º, V e VI, que regulamenta o exercício da odontologia.
Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico)
Art. 4º São atividades privativas do médico:
- 6º O disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação.
Lei nº 12.842/2013 (Exercício da Odontologia)
Art. 6º Compete ao cirurgião-dentista:
V – aplicar anestesia local e truncular;
VI – empregar a analgesia e a hipnose, desde que comprovadamente habilitado, quando constituírem meios eficazes para o tratamento;
Dentre as razões que fundamentaram o ajuizamento da referida ação, a SBA sustenta, em síntese:
- que odontólogos somente podem realizar anestesia local e troncular, quando comprovadamente habilitados;
- a importância, para que se evitem complicações graves à saúde dos pacientes, da realização de consulta pré-anestésica, identificação de eventual via aérea difícil e da presença de estrutura física adequada para realização da sedação;
- as distinções e riscos envolvidos nas diversas espécies de anestesia e sedação;
- a existência de diversas regulamentações no âmbito do Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelecendo protocolos e normas de segurança na matéria, sem que exista contraparte no âmbito do Conselho Federal de Odontologia; e
- a proteção constitucional da saúde e a responsabilidade do Estado de prevenção de riscos nessa seara (Lei nº 8.080/1990, art. 2º, § 1º).
Em contrapartida, o Conselho Federal de Odontologia manifestou-se, em suma, no sentido de que a parte autora não teria efetivamente demonstrado situação de risco, de que falhas nos procedimentos são passíveis de cometimento por quaisquer profissionais e que a Sociedade Brasileira de Anestesiologia busca “resguardar a soberania de um ramo sobre determinados procedimentos”.
O Ministério Público Federal, em parecer emitido em 13/12/2023 manifestou-se favoravelmente à concessão da tutela liminar requerida pela SBA, fundamentando suas razões na existência de protocolos de segurança relacionados aos procedimentos de sedação, que devem ser seguidos por profissionais da medicina, sem a existência de normas similares na área odontológica, indicando ser necessário, que sobrevenha regulamentação da atividade pela área odontológica, para conciliá-la com a proteção à vida e à integridade física dos pacientes, pontuando as Resoluções do CFM que seguem:
- Resolução CFM 2.174/2017 (dispõe sobre a prática do ato anestésico);
- Resolução CFM 1.670/2003 (dispõe sobre a qualificação de profissionais que realizam sedação profunda); e
- Resolução CFM 1.886/2008 (normas de funcionamento de consultórios que realizam procedimentos de curta duração).
Após a manifestação ministerial, o juízo da 3ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, em 21/02/2024, atendeu parcialmente ao pedido de tutela liminar requerida pela SBA. Neste sentido, foi determinado que os profissionais da odontologia poderão continuar realizando procedimentos de sedação, inclusive com fármacos controlados, porém, eles deverão estar de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina, até a edição de normativa específica para os profissionais dentistas ou ulterior determinação do juízo, sob pena de sanção administrativa. Segue trecho da decisão:
“De fato, excetuado o disposto na Lei nº 5.081/1966 (art. 6º, V e VI) e na Resolução CFO-51, de 30 de abril de 2004, o réu nada esclarece sobre os protocolos de segurança a serem seguidos pelos dentistas para a sedação dos seus pacientes, o que justifica a intervenção judicial em nome do princípio da precaução, ao menos até que seja normatizado o emprego de anestésicos nos procedimentos odontológicos segundo critérios técnicos e científicos.
Mas a solução proposta pelo representante ministerial – interdição da realização de procedimentos de sedação por odontólogos – pode causar prejuízo de difícil ou impossível reparação tanto aos dentistas quanto aos pacientes que necessitam da sedação.
Nesse contexto, a fim de compatibilizar os interesses em conflito e minimizar o risco à saúde pública, bastaria seguir os protocolos já elaborados no âmbito do Conselho de Medicina (cf. Resoluções CFM 2.174/2017, 1.670/2003 e 1.886/2008) até que venha a lume regulamentação adaptada às peculiaridades do serviço odontológico.”
Diante do deferimento da liminar, os profissionais da área de odontologia deverão seguir, por exemplo, a obrigação de manter uma sala de recuperação pós-anestésica dentro do consultório.
Ainda, os dentistas que pretendem utilizar a sedação com remédio controlado, em que o paciente pode ficar inconsciente durante a consulta, geralmente em cirurgias e implantes odontológicos de maior duração, devem estar acompanhados de um profissional responsável, exclusivamente, pela anestesia. Importante ressaltar que o segundo profissional poderá ser um dentista, desde que não seja o mesmo profissional que está conduzindo o tratamento.
Entretanto, em procedimentos com a utilização de substâncias menos complexas, como realização de obturação, ou retirada de dente do siso, por exemplo, o deferimento da liminar não gera qualquer mudança, visto que os profissionais poderão continuar utilizando a anestesia local e o óxido nitroso, cuja regulamentação de uso já existe no âmbito do Conselho Federal de Odontologia.
Recomendamos, posto isso, entendendo que a medida representa um avanço em direção à maior segurança do paciente, que as empresas e profissionais busquem se adequar, o mais rápido possível, para evitar multas e prejuízos com condenações.
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Camila Alencar (camilaalencar@abvadvogados.com.br) é advogada da consultoria cível da Abreu, Barbosa e Viveiros Advogados
Guilherme Mota (guilhermemota@abvadvogados.com.br) é advogado do contencioso cível da Abreu, Barbosa e Viveiros Advogados