A empresa Meta recebeu no dia 2 de julho uma Medida Preventiva da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), determinando a suspensão da nova política de privacidade da marca no Brasil. A nova versão da política da Meta autorizava o uso de dados pessoais publicados em suas plataformas, como Facebook, Instagram e Messenger, para fins de treinamento de sistemas de inteligência artificial (IA).
A atualização na política de privacidade da empresa havia entrado em vigor no Brasil em 26 de junho e se aplicava aos “Produtos da Meta”. De acordo com o documento, ao aceitar a política os usuários permitiriam que a empresa utilizasse suas publicações para o aperfeiçoamento e treinamento de sistemas de IA generativa. No entanto, isso poderia afetar mais de 102 milhões de pessoas, que é o número de usuários ativos apenas no Facebook no país.
Diante disso, a ANDP instaurou um processo de fiscalização de ofício em decorrência dos indícios de violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A análise preliminar indicou que há riscos de dano grave e seria difícil reparar os usuários afetados.
Entendeu-se por meio do Voto nº 11/2024/DIR-MW/CD, aprovado pelo Conselho Diretor em Circuito Deliberativo, que as constatações preliminares são suficientes para a emissão da Medida Preventiva, sendo elas uso de hipótese legal inadequada para o tratamento de dados pessoais; falta de divulgação de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a alteração da política de privacidade e sobre o tratamento realizado; limitações excessivas ao exercício dos direitos dos titulares; e tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes sem as devidas salvaguardas
A Meta deveria ter fornecido informações adequadas para os titulares terem ciência dos riscos e do que poderia acontecer com as informações armazenadas para treinamento de IAs generativas.
A advogada da Abreu, Barbosa e Viveiros (ABV) Advogados, Flávia Meireles, explica quais tipos de dados dos usuários poderiam ser coletados para treinamento de IA pela Meta e os riscos dessa coleta: “A Meta poderia coletar informações publicamente disponíveis (postagens, comentários, perfis), conteúdos compartilhados (fotos, vídeos, áudios) e dados de não usuários eventualmente mencionados. Os riscos incluem comprometimento da privacidade, uso não autorizado dos dados, discriminação devido a vieses nos algoritmos de IA, limitação dos direitos dos titulares e tratamento inadequado de dados de crianças e adolescentes sem as devidas salvaguardas.”
Flavia Meireles, advogada da ABV, ainda destaca como a nova política de privacidade da empresa entra em conflito com a LGPD: “O tratamento de dados para treinar sistemas de IA parece não se enquadrar na base legal do legítimo interesse, especialmente pela possibilidade de revelar dados sensíveis (Art. 10). Além disso, a empresa falhou em cumprir os princípios de finalidade e necessidade (Art. 6°, II e III) e não garantiu a transparência (Art. 6°, VI). A Meta também não adotou salvaguardas para dados de crianças e adolescentes (Art. 14) e limitou os direitos dos titulares (Art. 18).”
Durante a análise preliminar, a Autarquia considerou inadequada a hipótese legal usada para justificar o tratamento de dados pessoais, que seria o legítimo interesse da empresa. “A justificativa do legítimo interesse pode ser válida se a Meta implementar várias medidas de proteção. Isso inclui reduzir o tratamento de dados sensíveis, anonimizando ou deletando esses dados sempre que possível, informar proativamente os titulares sobre o uso dos dados, fornecendo informações claras, e realizar um Teste de Balanceamento (LIA) para garantir que os interesses dos titulares não sejam prejudicados. Além disso, deve-se garantir o fácil acesso ao direito de oposição, definir propósitos específicos para cada fase do ciclo de vida da IA e seguir padrões de privacidade rigorosos, especialmente para proteger dados de crianças e adolescentes. Alternativamente, obter o consentimento explícito dos titulares para usar seus dados no treinamento de IA seria uma solução adequada”, conclui Flávia Meireles, da ABV Advogados.